DICIONÁRIO DE POLÍTICA
Legalidade
Na linguagem política, entende-se por Legalidade um atributo e um requisito do poder, daí dizer-se que um poder é legal, ou age legalmente, ou tem o timbre da Legalidade, quando é exercido no âmbito ou de conformidade com leis estabelecidas ou pelo menos aceitas. Embora nem sempre se faça distinção, no uso comum e muitas vezes até no uso técnico, entre Legalidade e legitimidade, costuma-se falar em Legalidade quando se trata do exercício do poder e em legitimidade quando se trata de sua qualidade legal: o poder legítimo é um poder cuja titulação se encontra alicerçada juridicamente; o poder legal é um poder que está sendo exercido de conformidade com as leis. O contrário de um poder legítimo é um poder de fato; o contrário de um poder legal é um poder arbitrário. Quem detém o poder não o detém nem o exerce sempre de forma arbitrária, assim como nem sempre quem exerce o poder arbitrariamente é detentor unicamente de um poder de fato. Com base nessa acepção do termo Legalidade, entende-se por princípio de Legalidade aquele pelo qual todos os organismos do Estado, isto é, todos os organismos que exercem poder público, devem atuar no âmbito das leis, a não ser em casos excepcionais expressamente preestabelecidos, e pelo fato de já estarem preestabelecidos, também perfeitamente legais. O princípio de Legalidade tolera o exercício discricionário do poder, mas exclui o exercício arbitrário, entendendo-se por exercício arbitrário todo ato emitido com base numa análise e num juízo estritamente pessoal da situação.
Muito embora o princípio de Legalidade seja considerado como um dos pilares do moderno Estado constitucional, o chamado Estado de direito, trata-se de algo antigo tanto quanto a especulação sobre os princípios da política e sobre as diferentes formas de Governo. Liga-se ao ideal grego da isonomia, isto é, da igualdade de todos perante as leis, considerada como a essência do bom Governo, cujo elogio é proclamado por Eurípides nas Suplicantes: "Nada é mais inimigo da cidade do que um tirano, quando, em lugar de existirem leis gerais, um só homem tem o poder, sendo ele mesmo e para si próprio o autor das leis e não existindo, assim, nenhuma igualdade" (vv. 403–05). No De legibus, Cícero escreve: "Vós, pois, compreendeis que o papel do magistrado é governar e prescrever o que é justo, útil e de conformidade com as leis [coniuncta cum legibus]. Os magistrados estão acima do povo da mesma forma que as leis estão acima dos magistrados; podemos, com razão e propriedade, afirmar, pois, que os magistrados são a lei falante e as leis os magistrados mudos" (III, 1,2). Um dos princípios fundamentais e constantes da doutrina medieval sobre o Estado é o da superioridade da lei mesmo com relação à vontade do príncipe. A mais célebre formulação desse princípio foi feita por Bracton no De legibus et consuetudinibus Angliae: "Rex non debet esse sub homine, sed sub Deo et sub lege, quia lex facit regem". Desde a antigüidade até nossos dias, um dos temas que mais aparecem nó pensamento político é a contraposição entre Governo das leis e Governo dos homens: contraposição acompanhada sempre por um juízo de valor constante, que considera o primeiro um Governo bom, o segundo um Governo mau. Onde governam as leis, temos o reino da justiça; onde governam os homens, existe o reino do arbítrio. Uma das características com que mais constantemente é estigmatizado o Governo tirânico é a de ser Governo de um homem acima das leis, não das leis acima dos homens. A "isonomia" dos gregos, a "supremacia da lei" (rule of law) da tradição inglesa, o "Estado de direito" (Rechtsstaat) da doutrina alemã do direito público no século passado refletem, mesmo em situações históricas muito diferentes, a permanência do princípio da Legalidade como idéia que define o bom Governo, mesmo se, de acordo com Max Weber, somente no Estado moderno podemos encontrar a concretização plena desse princípio. O Estado moderno, de fato, está se organizando como uma grande empresa, assumindo os meios de serviço que nos Estados anteriores pertenciam, como propriedade particular, aos que estavam investidos de funções públicas. Temos aqui, pois, uma forma de poder que M. Weber chama "legal e racional" e que, contrariamente à forma do poder tradicional e do poder carismático, tem sua própria legitimidade no fato de ser definido por leis e exercido de conformidade com as leis que a definem. Para caracterizar o poder legal, também Max Weber recorre à contraposição entre poder definido por leis e poder pessoal: enquanto na situação de poder tradicional é a pessoa do senhor que tem direito à obediência e na situação de poder carismático a pessoa do chefe, em se tratando de poder legal o cidadão deve obediência "ao ordenamento impessoal definido legalmente e aos indivíduos que têm funções de chefia neste ordenamento, em virtude da Legalidade formal das prescrições e no âmbito das mesmas".
Como todas as idéias fundamentais da teoria política, também o princípio de Legalidade não é uma idéia simples. Podemos distinguir, pelo menos, entre três significações, de acordo com os diferentes níveis em que é considerada a relação entre a lei, vista como norma geral e abstrata, e o poder. O primeiro nível é caracterizado pela relação entre a lei e a pessoa do príncipe: nesse nível, Governo da lei significa, conforme a fórmula de Bracton acima citada, que o príncipe não e mais legibus solutus, conseqüentemente tem que governar não conforme seu próprio beneplácito, mas de conformidade com leis a ele superiores, mesmo não se tratando de leis positivas e, sim, consideradas de origem divina ou natural, ou se tratando das leis fundamentais do país, cuja validade depende da tradição ou do pacto constitutivo do Estado. O segundo nível é o da relação entre o príncipe e seus súditos: nesse nível, a idéia do Governo das leis tem que ser interpretada no sentido de que os governantes devem exercer o próprio poder unicamente pela promulgação de leis, e só excepcionalmente através de ordenações e decretos, isto é, mediante normas que tenham validade para todos, e não para grupos particulares ou, o que seria ainda pior, para indivíduos; normas, enfim, que, justamente pela sua abrangência geral, tenham como objetivo o bem comum e não o interesse particular desta ou daquela categoria de indivíduos. O terceiro nível é o que diz respeito à aplicação das leis em casos particulares: nesse nível, o princípio de Legalidade consiste em exigir dos juízes que definam as controvérsias, a eles submetidas para apreciação, não com base em juízos casuísticos diferenciados, isto é, conforme os casos específicos, mas com base em prescrições definidas na forma de normas legislativas. A expressão tradicional deste aspecto do princípio de Legalidade é a máxima: "Nullum crimen, nulla poena, sine lege". Por outro lado, tomando como ponto de partida a distinção fundamental existente entre o momento da produção e o momento da aplicação do direito, podemos afirmar que em relação ao primeiro momento o princípio de Legalidade exprime a idéia da produção do direito através de leis, e que em relação ao segundo momento exprime a idéia da aplicação de acordo com leis. Quer consideremos os três níveis, quer consideremos os dois momentos, a importância do princípio de Legalidade consiste em garantir os dois valores fundamentais, cuja concretização forma a essência do papel do direito, o valor da certeza e o valor da igualdade (formal). A produção do direito através de leis, isto é, através de normas gerais e abstratas, possibilita prever as conseqüências das próprias ações, liberta, pois, da insegurança proveniente de uma ordem arbitrária; a aplicação do direito de acordo com leis é a garantia de um tratamento igual para todos os que pertencem à categoria definida na lei, liberta, pois, do perigo de existir um tratamento preferencial ou prejudicial para este ou aquele indivíduo, este ou aquele grupo, o que aconteceria num julgamento casuístico.
Legalidade
Na linguagem política, entende-se por Legalidade um atributo e um requisito do poder, daí dizer-se que um poder é legal, ou age legalmente, ou tem o timbre da Legalidade, quando é exercido no âmbito ou de conformidade com leis estabelecidas ou pelo menos aceitas. Embora nem sempre se faça distinção, no uso comum e muitas vezes até no uso técnico, entre Legalidade e legitimidade, costuma-se falar em Legalidade quando se trata do exercício do poder e em legitimidade quando se trata de sua qualidade legal: o poder legítimo é um poder cuja titulação se encontra alicerçada juridicamente; o poder legal é um poder que está sendo exercido de conformidade com as leis. O contrário de um poder legítimo é um poder de fato; o contrário de um poder legal é um poder arbitrário. Quem detém o poder não o detém nem o exerce sempre de forma arbitrária, assim como nem sempre quem exerce o poder arbitrariamente é detentor unicamente de um poder de fato. Com base nessa acepção do termo Legalidade, entende-se por princípio de Legalidade aquele pelo qual todos os organismos do Estado, isto é, todos os organismos que exercem poder público, devem atuar no âmbito das leis, a não ser em casos excepcionais expressamente preestabelecidos, e pelo fato de já estarem preestabelecidos, também perfeitamente legais. O princípio de Legalidade tolera o exercício discricionário do poder, mas exclui o exercício arbitrário, entendendo-se por exercício arbitrário todo ato emitido com base numa análise e num juízo estritamente pessoal da situação.
Muito embora o princípio de Legalidade seja considerado como um dos pilares do moderno Estado constitucional, o chamado Estado de direito, trata-se de algo antigo tanto quanto a especulação sobre os princípios da política e sobre as diferentes formas de Governo. Liga-se ao ideal grego da isonomia, isto é, da igualdade de todos perante as leis, considerada como a essência do bom Governo, cujo elogio é proclamado por Eurípides nas Suplicantes: "Nada é mais inimigo da cidade do que um tirano, quando, em lugar de existirem leis gerais, um só homem tem o poder, sendo ele mesmo e para si próprio o autor das leis e não existindo, assim, nenhuma igualdade" (vv. 403–05). No De legibus, Cícero escreve: "Vós, pois, compreendeis que o papel do magistrado é governar e prescrever o que é justo, útil e de conformidade com as leis [coniuncta cum legibus]. Os magistrados estão acima do povo da mesma forma que as leis estão acima dos magistrados; podemos, com razão e propriedade, afirmar, pois, que os magistrados são a lei falante e as leis os magistrados mudos" (III, 1,2). Um dos princípios fundamentais e constantes da doutrina medieval sobre o Estado é o da superioridade da lei mesmo com relação à vontade do príncipe. A mais célebre formulação desse princípio foi feita por Bracton no De legibus et consuetudinibus Angliae: "Rex non debet esse sub homine, sed sub Deo et sub lege, quia lex facit regem". Desde a antigüidade até nossos dias, um dos temas que mais aparecem nó pensamento político é a contraposição entre Governo das leis e Governo dos homens: contraposição acompanhada sempre por um juízo de valor constante, que considera o primeiro um Governo bom, o segundo um Governo mau. Onde governam as leis, temos o reino da justiça; onde governam os homens, existe o reino do arbítrio. Uma das características com que mais constantemente é estigmatizado o Governo tirânico é a de ser Governo de um homem acima das leis, não das leis acima dos homens. A "isonomia" dos gregos, a "supremacia da lei" (rule of law) da tradição inglesa, o "Estado de direito" (Rechtsstaat) da doutrina alemã do direito público no século passado refletem, mesmo em situações históricas muito diferentes, a permanência do princípio da Legalidade como idéia que define o bom Governo, mesmo se, de acordo com Max Weber, somente no Estado moderno podemos encontrar a concretização plena desse princípio. O Estado moderno, de fato, está se organizando como uma grande empresa, assumindo os meios de serviço que nos Estados anteriores pertenciam, como propriedade particular, aos que estavam investidos de funções públicas. Temos aqui, pois, uma forma de poder que M. Weber chama "legal e racional" e que, contrariamente à forma do poder tradicional e do poder carismático, tem sua própria legitimidade no fato de ser definido por leis e exercido de conformidade com as leis que a definem. Para caracterizar o poder legal, também Max Weber recorre à contraposição entre poder definido por leis e poder pessoal: enquanto na situação de poder tradicional é a pessoa do senhor que tem direito à obediência e na situação de poder carismático a pessoa do chefe, em se tratando de poder legal o cidadão deve obediência "ao ordenamento impessoal definido legalmente e aos indivíduos que têm funções de chefia neste ordenamento, em virtude da Legalidade formal das prescrições e no âmbito das mesmas".
Como todas as idéias fundamentais da teoria política, também o princípio de Legalidade não é uma idéia simples. Podemos distinguir, pelo menos, entre três significações, de acordo com os diferentes níveis em que é considerada a relação entre a lei, vista como norma geral e abstrata, e o poder. O primeiro nível é caracterizado pela relação entre a lei e a pessoa do príncipe: nesse nível, Governo da lei significa, conforme a fórmula de Bracton acima citada, que o príncipe não e mais legibus solutus, conseqüentemente tem que governar não conforme seu próprio beneplácito, mas de conformidade com leis a ele superiores, mesmo não se tratando de leis positivas e, sim, consideradas de origem divina ou natural, ou se tratando das leis fundamentais do país, cuja validade depende da tradição ou do pacto constitutivo do Estado. O segundo nível é o da relação entre o príncipe e seus súditos: nesse nível, a idéia do Governo das leis tem que ser interpretada no sentido de que os governantes devem exercer o próprio poder unicamente pela promulgação de leis, e só excepcionalmente através de ordenações e decretos, isto é, mediante normas que tenham validade para todos, e não para grupos particulares ou, o que seria ainda pior, para indivíduos; normas, enfim, que, justamente pela sua abrangência geral, tenham como objetivo o bem comum e não o interesse particular desta ou daquela categoria de indivíduos. O terceiro nível é o que diz respeito à aplicação das leis em casos particulares: nesse nível, o princípio de Legalidade consiste em exigir dos juízes que definam as controvérsias, a eles submetidas para apreciação, não com base em juízos casuísticos diferenciados, isto é, conforme os casos específicos, mas com base em prescrições definidas na forma de normas legislativas. A expressão tradicional deste aspecto do princípio de Legalidade é a máxima: "Nullum crimen, nulla poena, sine lege". Por outro lado, tomando como ponto de partida a distinção fundamental existente entre o momento da produção e o momento da aplicação do direito, podemos afirmar que em relação ao primeiro momento o princípio de Legalidade exprime a idéia da produção do direito através de leis, e que em relação ao segundo momento exprime a idéia da aplicação de acordo com leis. Quer consideremos os três níveis, quer consideremos os dois momentos, a importância do princípio de Legalidade consiste em garantir os dois valores fundamentais, cuja concretização forma a essência do papel do direito, o valor da certeza e o valor da igualdade (formal). A produção do direito através de leis, isto é, através de normas gerais e abstratas, possibilita prever as conseqüências das próprias ações, liberta, pois, da insegurança proveniente de uma ordem arbitrária; a aplicação do direito de acordo com leis é a garantia de um tratamento igual para todos os que pertencem à categoria definida na lei, liberta, pois, do perigo de existir um tratamento preferencial ou prejudicial para este ou aquele indivíduo, este ou aquele grupo, o que aconteceria num julgamento casuístico.
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