segunda-feira, 23 de março de 2009

Conceito de Sistemas Eleitorais Brasileiros

Sistemas Eleitorais

Basicamente, existem dois tipos de sistema eleitoral: o do escrutínio majoritário e o da representação proporcional, o primeiro chamado comumente de "sistema majoritário" e o segundo de "RP”.

O sistema majoritário é o que ocorre mais facilmente à imaginação e também o que parece, à primeira vista, mais justo, racional e lógico, pois o principio que o orienta pode ser resumido de maneira bastante simples: quem tem mais votos ganha. Mas na prática a coisa não fica aí e há diversas complicações envolvidas, algumas das quais vamos ver em seguida. Antes, contudo, cabe lembrar dois modelos de escrutínio majoritário de aplicação muito difundida, cujo entendimento nos será útil. O sistema majoritário pode ser uninominal ou por listas. É unínominal, como a palavra indica, quando se vota em um só nome para um só cargo. É por listas quando se vota em vários nomes para vários cargos ou para um órgão qualquer composto por várias pessoas. É o que chamamos, nas eleições para grêmios, centros acadêmicos, sindicatos, clubes e outras entidades, de "chapas". Ou seja, a lista não passa de uma chapa, neste caso. A chapa, por sua vez, pode ser "aberta" ou "fechada". É aberta quando nomes de uma chapa podem ser combinados com nomes de outras chapas. Por exemplo, se está havendo uma eleição majoritária com listas abertas, isto significa que eu posso votar no candidato a presidente da chapa A, no candidato a tesoureiro da chapa B e no candidato a secretário da chapa C ou, ainda, em branco para alguns cargos cujos candidatos, em qualquer das chapas, não me agradem. Há inúmeras pequenas variações deste esquema básico, mas é suficiente que o entendamos assim, em contraposição às listas fechadas, ou bloqueadas em que o leitor não pode "fazer" sua própria chapa: ou vota em bloco na chapa de sua escolha ou não vota em nenhuma.

Tanto o sistema majoritário uninorninal (aliás, quando há cargos definidos e diferentes entre si nas listas, o sistema de listas abertas termina por equivaler ao sistema uninorninal, como é fácil inferir) quanto o de listas apresentam uma desvantagem grave: não permitem que as minorias sejam representadas, o que pode render problemas sérios, principalmente se as diferenças entre o número de votos obtidos por cada chapa forem pequenas. Criando uma hipótese exagerada e até caricata, mas que serve de boa ilustração, suponhamos que, num país qualquer, a lista A ganhe da lista B por 1.000.000 contra 999.990 votos. A diferença, sendo somente de 10 votos, tornaria esse país muito difícil de governar, com tão marcada diferença entre a realidade da opinião pública e a composição do governo. Não seria justo nem prático que metade do país mandasse na outra metade, a qual não teria voz alguma nos negócios públicos, a não ser aquela que os eleitos concordassem em lhe dar, como concessão. A situação poderia rapidamente ficar insustentável, porque a metade sem representação tenderia a frustrar-se e revoltar-se.

Deve-se levar em consideração também a possibilidade teórica de que, em tal sistema, uma minoria relativamente pequena venha a governar a maioria, traindo se, assim, os objetivos do sistema majoritário. Bem verdade que essa possibilidade não se restringe ao sistema de listas bloqueadas, como veremos, mas nele ela é bem clara. Admita-se, por exemplo, que concorram às eleições quatro listas, disputando um total de quatro milhões de votos. Se, por exemplo, a lista A ganhar com 1.050.000 votos, os votos das outras chapas, evidentemente, somarão quase o triplo dos da eleita. Assim, a minoria representada pela chapa A governaria à maioria representada pelas outras.

Por essas e outras razões, o sistema majoritário, notadamente o das listas bloqueadas, tem de ser usado com grande cautela e, em muitas circunstâncias, é mesmo aconselhável que não seja empregado. Não obstante, pode-se pensar em listas abertas, o que parece melhorar bastante a situação. Mas somente parece, porque a realidade é diferente. Vamos supor um país em que houvesse 100 vagas para o Parlamento e cada partido apresentasse sua lista de 100 candidatos (ou até mais, pois, afinal, quem fosse tendo mais votos, pura e simplesmente, iria ocupando as primeiras vagas, até as 100 serem preenchidas – o que só complicaria um bocadinho, mas não alteraria o raciocínio básico). Isto quereria dizer que as áreas mais populosas do país seriam super-representadas e as menos populosas sub-representadas, ou até não representadas. Se um sistema como este fosse adotado no Brasil, por exemplo, o Acre não teria deputados, já que dificilmente um candidato acreano teria condições de reunir um número de votos maior do que o menos votado dos candidatos paulistas. Além disso, a depender das circunstâncias no país em questão, as listas abertas poderiam ainda suscitar outro problema. Caso houvesse um número muito grande de partidos, não seria impossível que a composição do Parlamento ficasse tão fracionada entre dezenas de tendências que a obtenção de consenso ou mesmo de uma simples maioria numa votação poderia tornar-se virtualmente impossível, dificultando sobremaneira a ação do governo. Em eleições para diretorias de entidades esse fenômeno é comum, razão por que é quase universal a adoção de listas bloqueadas, eis que o funcionamento de um corpo dirigente composto por pessoas antagônicas e rivais – conseqüência previsível das listas abertas – será, no mínimo, tumultuado ou errático.

Multo bem, então introduzamos um aperfeiçoamento. Já que o Brasil é uma federação, vamos dividir as listas pelas Unidades da Federação (UF), aproveitando a divisão política existente. Neste caso, haveria um conjunto de listas para cada UF, conjunto este composto pelas listas individuais de cada partido concorrente. Cada UF seria, portanto, o que se poderia chamar de uma circunscrição eleitoral. Mas isto também requer refinamentos. Em primeiro lugar, se houvesse o mesmo número de deputados para cada UF, a população do país, como um todo, estaria desigualmente representada. Por exemplo, havendo 10 deputados para o Acre e 10 para São Paulo, é claro que o deputado paulista precisaria de muito mais votos para eleger-se do que o acreano, já que o número de eleitores paulistas dividido por 10 seria bem maior do que o número de eleitores acreanos dividido por 10. E, assim, vamos dizer (os números aqui não têm nada a ver com a realidade acreana ou paulista, mas servem apenas de ilustração), cada mil acreanos teriam um deputado a representá-los, enquanto cada milhão de paulistas teria também um. O que quer dizer que um voto acreano "valeria" muito mais do que um voto paulista, com evidentes e gravíssimas distorções na representação.

Para evitar esse problema, Estados como os Estados Unidos e a Inglaterra, por exemplo, adotaram a idéia de "distritos", isto é, pequenas circunscrições eleitorais, com populações idealmente iguais. Dentro dessa concepção, é claro que o número de deputados de São Paulo seria maior do que o do Acre, já que o Acre teria um número de distritos muitíssimo menor que o de São Paulo.

Com a criação dos distritos, o problema fica consideravelmente abrandado, pois já não há o perigo daquelas distorções a que nos referimos acima. Mas não deixam de existir problemas, pois, como se verá, nenhum sistema eleitoral pode aspirar a ser livre de defeitos de maior ou menor gravidade. Para começar, seria necessária uma constante vigilância quanto à composição populacional dos distritos. Em alguns anos, uma área densamente povoada pode passar a ter menos gente, ou vice-versa. A autoridade eleitoral, por conseguinte, terá que exercer uma permanente fiscalização e providenciar a reformulação dos distritos, toda vez que sua composição populacional se alterar de modo significativo, para cima ou para baixo. Por exemplo, se cada distrito tem de ter um mínimo de 10.000 eleitores e um deles passa, por qualquer razão, a contar com somente 2.000, é evidente que perde o direito de eleger um deputado só para si, necessitando ser remanejado. A mesma coisa, é óbvio, acontecerá com um distrito que aumente sua população, porque as pessoas que passam a compô-lo, se ficarem apenas com um depurado, estarão sub-representadas. Como se pode perceber, com os deslocamentos demográficos e o próprio aumento da população, o Sistema majoritário por distritos apresenta um desafio constante e geralmente muito difícil de resolver na prática, inclusive por causa dos interesses políticos que se solidificam em torno do já estabelecido e que podem constituir sério obstáculo a alterações.

Além disso, também neste caso as minorias podem não ser representadas, ou ser sub-representadas, porque a tendência, historicamente observável, é de que o eleitorado se polarize em duas posições, excluindo os chamados "terceiros partidos". Para ilustrar, vamos supor que haja três distritos e três partidos, que também vamos inventar. No distrito 1, a votação para o partido A é de 2.000, para o B 1.500, para o C 1.200; no 2, para o A 1.600, para o B 1.700 e para o C também 1.600; no 3, para o A novamente 2.000, para o B 1.400 e para o C 1.800. Como se vê aí (e pode-se imaginar esta situação para um conjunto muito grande de distritos), o partido A fez dois deputados, o B um, e o C nenhum. No entanto, existem muitas pessoas que votam no partido C, mas que, pejas circunstâncias do sistema, não têm representação. Além de com isso obter-se um retrato falso da realidade, com o tempo os eleitores se cansam de nunca conseguirem eleger ninguém e se aproximam do partido A ou B – do que menos os desgosta, enfim. Isto é, efetivamente, o que tem acontecido nos Estados Unidos e na Inglaterra, onde os terceiros partidos são inexpressivos, engolidos pela lógica eleitoral.

A existência de distritos se presta também a muitas manipulações, pelo menos umas das quais deve ser sublinhada. Imaginemos que, num determinado país, os trabalhadores votem maciçamente no partido A e os agricultores no partido B. Vamos supor também que haja dois distritos contíguos, num dos quais o partido A ganhe por uma margem folgada e no outro perca por uma margem muito pequena. Se o partido A estiver no poder, ele pode manipular as coisas (dando uma das muitas desculpas "técnicas" possíveis), trocando um pedaço do território do distrito "folgado" onde morem trabalhadores (votos certos para ele) por um pedaço do distrito "apertado" onde morem agricultores. Basta rearranjar os limites geográficos com alguma imaginação e fazer as contas certas, que o partido A, em vez de ganhar num só distrito como antes, passa a ganhar nos dois. No primeiro, dispensa apenas um pouco da "folga", que não chega a ser coberta pelo ingresso dos agricultores, cuja saída de seu distrito original retira a pequena vantagem que lá possuía o partido B, assim como, com a troca, ainda chegam mais votos para o partido A. Isto não é tão complicado quanto pode parecer e é também um dos aspectos mais interessantes do sistema majoritário por distritos.

Finalmente, aquela possibilidade, vista anteriormente em relação ao sistema de listas bloqueadas, de que o partido com menos votos ganhe as eleições, também é perfeitamente viável no sistema distrital. Basta que as diferenças entre as votações dos dois partidos dominantes sejam pequenas na maior parte dos distritos e muito grandes em poucos outros, dentro de certas circunstâncias. Com um exemplo, novamente exagerado para compreensão mais fácil, isto se explica. Admitamos que, nos distritos de 1 a 8, o partido A ganhe do partido B por uma diferença, em cada um, de 200 votos; e, nos distritos 9 e 10, ganhe o partido B, com uma diferença conjunta de 2.200 votos sobre o A. Se formos somar as diferenças, veremos que, no total, o partido B teve mais 600 votos que o A e, no entanto, só fez dois representantes, contra oito do adversário – tudo por causa da distribuição espacial do eleitorado. Ou seja, ganhou o B, mas perdeu. A maioria da população prefere o B, mas o A tem um número muito maior de representantes. Como se vê, aquilo que o senso comum pode presumir ser o mais justo nem sempre é. Nem sempre quem ganha as eleições – mesmo quando a regra é "quem tem mais votos ganha" – é quem tem mais votos, porque o sistema eleitoral, aliado a outros fatores, pode alterar muito as coisas.

Há uma variante do sistema majoritário também importante, conhecida como "de dois turnos", de cuja aplicação prática a França contemporânea é um exemplo, Através desse sistema, os candidatos precisam obter maioria absoluta (metade mais um) de todos os votos dados. Se nenhum dos candidatos obtiver essa maioria, faz-se um segundo turno, para o qual concorrem somente os dois primeiros colocados no turno anterior. Isto é visto como um aperfeiçoamento em relação ao sistema majoritário simples, porque não bloqueia a existência de terceiros (ou quartos, ou quintos) partidos, sendo, portanto, mais sensível ao perfil do eleitorado e mais flexível diante de alterações nas circunstâncias políticas. Contudo, não deixa de criar problemas especiais. Um deles é que, sob sua influência, os partidos políticos tendem a convergir, ideológica ou programaticamente. Em primeiro lugar, isto se deve a que a possibilidade de participação no segundo turno faz com que nenhum partido deseje alienar excessivamente os eleitores dos outros partidos. Afinal, os votos desses eleitores vão ser necessários, caso seus partidos não concorram ao segundo turno. Há, portanto, uma espécie de aproximação em direção ao centro, uma espécie de repúdio a posições que poderiam ser consideradas extremas ou radicais. Em segundo lugar – e paralelamente – é comum que sejam necessárias concessões e alianças com os partidos que "sobraram" no primeiro turno. É como se um partido que sobrou dissesse a um dos dois que vão disputar o segundo turno: "Olhe, eu não posso mais eleger meu candidato, mas ainda tenho votos, que são muito importantes. Se você me prometer tal ou qual coisa, meus votos vão para você, caso contrário vão para o outro." E, por fim, a tendência centrista é efetivamente reforçada pelo sistema, como podemos ver num raciocínio simplificado, mas indicativo do que pode acontecer. Supondo que haja um partido de Esquerda, um de Direita e um de Centro, e o de Direita "sobre", que acontece? O segundo turno, os eleitores da Direita vão preferir votar no Centro (para eles, o menos ruim) do que na Esquerda. Se sobrar o partido de Esquerda, a mesma coisa acontece, invertida. Já aí, o Centro conta com duas chances contra uma. Se, por outro lado, sobrar o Centro, é claro que ambas as outras correntes vão procurar aproximar-se dele (como, de certa forma, procuravam antes, só que sem a necessidade de concessões e alianças), para ganhar seus eleitores. O sistema de dois turnos introduz, assim, uma espécie de distorção embutida no processo político, um propositado favorecimento do Centro, que pode ser muito útil para e Estado, mas permanece, não obstante, uma distorção.

Os problemas relacionados com a representação das minorias, que, como vimos, podem ser bastante agudos sob qualquer tipo de sistema majoritário, levaram à elaboração de novos esquemas, destinados a superá-los. Foi está a razão para o surgimento da representação proporcional (RP), sistema muito conhecido dos brasileiros, pois a eleição de deputados (estaduais, distritais e federais) e vereadores é feita através dele. Normalmente, as pessoas não têm uma idéia precisa de como ele funciona, limitando-se a mencionar de modo vago "votos por legenda" ou "votos de legenda". De fato, esses tais votos de legenda fazem parte da RP, mas esta designação serve apenas para lembrar que há listas de candidatos de cada partido e são esses partidos que nós chamamos de "legendas" – palavra alusiva ao nome ou às iniciais do partido.

Na RP, cada partido apresenta sua relação de candidatos e os eleitores ou votam em um candidato ou simplesmente no partido de sua escolha. Em ambos os casos, o voto conta para a "legenda", da forma que vamos examinar, ao descrevermos o funcionamento de uma eleição em regime de RP. Em primeiro lugar, é preciso conhecer os conceitos de "quociente eleitoral" e de "número fixo", que são essenciais para o funcionamento do sistema. Tanto o número fixo quanto o quociente eleitoral são expressões para designar o número de votos necessário para eleger um deputado, em determinadas circunstâncias. Por exemplo, no país X, a legislação pode estabelecer esse número em, vamos dizer, 10.000. Assim, se o partido A tiver 150.000 votos, elegerá 15 deputados, por ordem de votação. Este é o caminho para entendermos os tais "votos de legenda". Se, por uma hipótese absurda, o candidato mais votado do partido A tiver 140.000 votos e os restantes 10.000 forem divididos pelos outros candidatos do mesmo partido, o primeiro candidato só vai "usar" os 10.000 necessários para sua eleição. Os restantes "passarão" para os seguintes, por ordem de votação – ou seja, o próximo a ser eleito será o que tiver mais votos depois do primeiro e assim por diante, até se completarem os 15 a que os 150.000 votos dão direito. É por isso que se diz, no Brasil, que um candidato muito votado "puxa votos para a legenda".

No entanto, o Brasil usa um sistema ligeiramente diferente, que é o do quociente eleitoral e não o do número fixo, descrito acima. O quociente eleitoral equivale, em função, ao número fixo, só que é variável. Isto é, leva em conta as variações de número de habitantes e votantes do país, em cada eleição. Para calcular-se o quociente eleitoral é indispensável, em primeiro lugar, que saibamos a quantos habitantes "equivale" um deputado. Por exemplo, a lei pode estabelecer que, para cada 100.000 habitantes, haverá um deputado. Assim, numa federação como a nossa, a UF que abrigue uma população de um milhão de habitantes terá direito a eleger 10 deputados – ou seja, tem dez "vagas" na Câmara dos Deputados a preencher. Procede-se então à eleição. Apurados os votos válidos (que, no caso brasileiro, são os votos dados para candidatos individuais e os votos dados para o partido), divide-se esse número de votos pelo número de vagas, O resultado é o quociente eleitoral. Tantas vezes esteja o quociente eleitoral contido na votação de cada partido, tantos deputados ele elege – até o limite das vagas, é claro. Isto talvez pareça complicado, mas não é tanto assim. A primeira operação é definir o número de vagas existente na Câmara, o que se consegue sabendo quantos habitantes há em cada circunscrição (no caso, as UFs) e, em seguida, verificando na lei a quantas vagas na Câmara aquele número de habitantes dá direito. Sabendo-se isto, aguarda-se a eleição. Apurados os votos considerados válidos para o cálculo, divide-se o número deles pelo número de vagas que já conhecemos. Este é o quociente eleitoral, que, como dissemos, tem a mesma função que o número fixo, só que não é definido previamente, mas apenas depois da apuração. E, por fim, para concluir os cálculos, divide-se o número de votos que cada partido obteve (valendo, é claro, os votos dados diretamente a seus candidatos e os votos dados somente à "legenda") pelo quociente eleitoral. O resultado desta operação recebe o nome de "quociente partidário" e vai indicar o número de deputados que o partido elegerá inicialmente (já se explica este "inicialmente" aí), também por ordem de votação, como no caso do número fixo. Por exemplo, no caso imaginado, se um partido teve 120.000 votos e o quociente eleitoral foi de 30.000 votos, o quociente partidário é igual a 4 e, portanto, os quatro primeiros votados desse partido já estão eleitos. Mas vamos tentar um esquema simples, para a coisa ficar bem entendida.

Número de habitantes - 1.000.000.

Número de vagas na Câmara (1 para cada 100.000 habitantes) - 10.

Votos válidos dados na eleição (soma de todos os votos para todos os candidatos e partidos) - 220.000.

Quociente eleitoral (votos válidos divididos pelas vagas) - 22.000,

Votos obtidos pelos candidatos do partido A - 95.000.

Quociente partidário (número de votos do partido dividido pelo quociente eleitoral) - 4,31.

Número de deputados eleitos, de pronto, pelo partido - 4,

A mesma operação é feita em relação aos votos obtidos por cada um dos partidos que concorreram, excetuando-se, é claro, aqueles que por acaso não tenha chegado a conseguir um número de votos maior ou equivalente ao quociente eleitoral. Devemos, por outro lado, tornar a. observar que não é necessário, para que um candidato se eleja, que sua votação individual alcance o quociente eleitoral. Na verdade, pode até ser muito inferior, a depender dos votos da legenda. Vamos imaginar outro exemplo exagerado, supondo que, nessa "eleição" daí, o candidato W tenha tido 70.000 votos, o X 22.000, o Y 2.998 e o Z apenas 2 (os tradicionais "dele e da mulher dele"). A soma é 95.000, e Y e Z se elegem, "arrastados" pelos outros. Vê-se que somente W teve um número de votos superior ao quociente eleitoral, mas, como só precisava de 22.000, as "sobras" passaram para os seguintes.

Contudo, na vida real, os números nunca são tão certinhos assim e, mesmo no caso que inventamos, o quociente partidário não deu um número redondo. Há sempre, na prática, "restos", ou seja, vagas não preenchidas e votos "não usados" – razão para aquele "inicialmente" a que nos referimos atrás. Para resolver isto, faz-se o cálculo dos restos segundo várias formulas possíveis. No Brasil, a fórmula empregada favorece um pouco os partidos majoritários, porque o que se faz, para calcular os restos, é dividir o número de votos obtidos por cada legenda pelo número de cadeiras (vagas preenchidas) obtidas na primeira operação (no nosso caso, quatro para o partido A) mais um (o que quer dizer, para o mesmo partido, o divisor cinco). O partido que tiver o maior resultado nessa divisão leva a próxima vaga e assim sucessivamente. Supondo que no exemplo dado o A tenha o maior resultado, ele já fica com cinco deputados e, no próximo cálculo, naturalmente, a divisão já é feita por seis (cinco mais um), até que todas as vagas se preencham. Há outros métodos para o cálculo dos restos, mas, para nós, é suficiente que compreendamos o que foi explicado acima, porque assim ficamos sabendo o essencial sobre o funcionamento da RP.

Existem, entretanto, alguns aspectos que devem ainda ser tocados, mesmo que rapidamente. Em primeiro lugar, como a RP foi criada tendo-se em mente facilitar a representação das minorias, isto de fato acontece. A conseqüência é a propensão para que se forme um grande número de partidos – e partidos que não apresentam aquela "vocação centrista" vista no sistema majoritário de dois turnos. Isto, a depender do ponto de vista que se tome, exibe facetas interessantes. Uma delas é a de que as tendências políticas básicas (vamos dizer, Esquerda e Direita) ficam com suas facções internas mais intransigentes, menos dispostas a fazer concessões. Se a RP, como acontece com outros sistemas, forçasse, em benefício dos resultados eleitorais, a aglutinação dessas tendências num só ou em poucos partidos, as divergências permaneceriam no âmbito interno desses partidos. Como, entretanto, acontece o contrário com a RP, essas correntes divergentes tendem a originar novos partidos, pois o sistema eleitoral lhes dá uma boa chance de obter votos suficientes para eleger alguns representantes. Ou seja, o que acontece com a utilização da RP é que as facções e divisões das tendências básicas terminam por encontrar oportunidades concretas de constituir seus próprios partidos – o que, como se pode imaginar, torna muito complexo o panorama político, a começar pelo fato de que fica muito mais difícil que um só partido consiga uma sólida maioria parlamentar.

Por outro lado, essa característica da RP – a de fazer proliferar partidos numerosos e independentes entre si – gera às vezes situações curiosas. No Brasil, por exemplo, depois de 64, os antigos partidos foram extintos, passando a haver somente dois, mas o sistema eleitoral não foi alterado, declarando-se de certa forma uma contradição entre o sistema eleitoral e o sistema de partidos. O sistema de dois partidos "casa" melhor com um sistema eleitoral de escrutínio majoritário, enquanto um sistema de muitos partidos casa melhor com a RP. Daí o surgimento das sublegendas, nada mais do que os antigos partidos disfarçados sob siglas abrangentes, porque forçados pelo sistema imposto.

Note-se também, para finalizar, que, se o sistema majoritário pode produzir injustiças flagrantes, isto também ocorre com a RP. No exemplo que inventamos para ensinar o mecanismo da RP, podemos muito bem conceber um partido B cujo total de votos tenha sido 21.000. Com esses votos, não elegeria nenhum deputado. Mas, entre seus candidatos, pode ter havido alguns que obtiveram, individualmente, mais votos do que o candidato Y do partido A e, certamente, muitos que obtiveram mais votos do que o nosso amigo Z. Contudo, Z, porque se beneficiou dos votos do popularíssimo W, foi eleito. Justifica-se isto alegando que o voto, no sistema da RP, é muito ideológico e o que interessa é que Z pensa como o total dos eleitores do partido A, não vindo ao caso se os candidatos do partido B tinham mais apoio popular, individualmente do que ele. Isto é discutível e cada um pode tirar suas próprias conclusões, observando a realidade. O fato é que candidatas populares, como W, são muito importantes, ideologia ou não ideologia, para as eleições num sistema de representação proporcional.

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